quinta-feira, 30 de julho de 2009

O teu rosto


Há dias em que não me lembro do teu rosto. Procuro-o com aflição nas pregas mais vincadas da memória e não o encontro... Perdi-o já, envolto na névoa do tempo que apagou os traços do teu perfil, a exacta cor dos teus olhos, o tom da tua pele, a curva das sobrancelhas...
E sabes... a dor maior de todas é saber que para além de te ter perdido, já não consigo encontrar-te dentro de mim.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Palavras poderosas


Os poderosos podem matar uma, duas, três rosas, mas jamais conseguirão deter a Primavera.

Che Guevara

terça-feira, 28 de julho de 2009

A invenção do Amor


E um dia inventaram o Amor. Não sei quem foi, mas quem o fez, deu-lhe esse toque único de veludo quente que agasalha o frio do coração... Quem inventou o Amor, encheu-o de aromas salgados como o mar bravio, de músicas delicadas que preenchem o vazio de todas as demoras e das ausências mais eternas... Quem inventou o Amor, ergueu-lhe um castelo de ecos onde o tempo não existe porque todas as imagens são esculpidas na pedra mais dura da memória, a que sobrevive a todos os vendavais da solidão. Quem inventou o Amor, deixou-lhe o sabor único de uma boca beijada com saudade louca, de um abraço partilhado numa vertigem que não se faz calar para além de muitas noites de espera. Quem inventou o Amor, envolveu-o no eco do bater forte de um coração, pulsando à desfilada dentro do peito inquieto...
Mas quem se lembrou de inventar o Amor, também o fez frágil, como um papel de seda que se amarrota sob um gesto mais duro, um delicado tecido onde ficam marcadas as lágrimas por onde, brilhando ao sol, escorregam todos os sorrisos.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Palavras livres


Amo a liberdade, por isso deixo as coisas que amo livres. Se elas voltarem, é porque as conquistei. Se não voltarem, é porque nunca me pertenceram.

John Lennon

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Do Tempo


A cidade acordou triste, batida por uma chuva impiedosa e cinzenta que em rios de lama arrastava a poeira dos dias. O dia esteve frio e o vento gelado atirava a água em todas as direcções, parecendo rir um riso escarninho e demoníaco. E eu não gosto de vento. E também não gosto de chuva. Esta chuva invernosa e feia, molha-me a alma até aos ossos, atira-me para uma tristeza que nem sei bem porquê, me condiciona as reacções. Costumo dizer entre sorrisos que funciono a energia solar e talvez por isso, esta espécie de vazio que me assaltou quando acordei e abri a janela do meu quarto... Hoje vivi com as reservas, com a memória do abraço quente de um dia de sol, que me enche de energia, me faz feliz só porque sim. Enquanto isso, do outro lado do planeta, o mundo assistia fascinado ao único eclipse solar deste milénio. Este fenómeno deixa-me sempre encantada e revi as imagens, nos telejornais de todos os canais, até as saber de cor. Completamente absorta, vi o sol de um vermelho intenso, desaparecer atrás do negro disco lunar e ficar assim uns minutos... proporcionando momentos de rara beleza e inesquecíveis. O sol e a lua, frente a frente, mirando-se nos olhos como dois amantes apaixonados... e o mundo boquiaberto parou para ver aquilo que a ciência explica com precisão, mas o ser humano nunca conseguirá controlar.
Amanhã é outro dia... Dizem os meteorologistas que a chuva vai parar e o sol voltará a aquecer os dias.
Oxalá...

terça-feira, 21 de julho de 2009

Noite funda


A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita

António Ramos Rosa

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Palavras eternas


O verdadeiro amor não se desgasta. Quanto mais se dá, mais se tem.

Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Tocar as estrelas


Hoje foi o dia do meu aniversário. Temia-o, confesso. Mais um ano, mais um número, e a soma dos dias vai-se tornando áspera de dizer, enfrentada com receio e olhada de soslaio. Afinal, reparamos por fim, que o lento passar dos dias está em absoluta contradição com o correr veloz dos anos...
Mas hoje, foi um dia feliz. Ao meu lado, quase todos os que amo... e à mesa, apesar dos vários lugares vazios, cheios só de ausências que me doem, (ainda me doem...), calei a dor e sorri aos que me rodeavam, me abraçavam, me acarinhavam. Aos que me amam no deslizar dos dias, no invisível escorrer do tempo que nos arrasta para a velhice. Caminhar para a velhice é um facto inelutável. Mas hoje, este hoje feliz, passou (quase) sem sombras e afinal, confirmei-o no espelho, o meu rosto está igual a ontem, o meu corpo não mudou só porque lhe somei um ano... Afinal, eu estava enganada e não havia nada a temer. No meu hoje feliz, disse amo-te sem pudor, apertei nos meus braços os meus amores maiores, falei com o coração e com as mãos, confessei emoções e sim, deixei correr lágrimas que não me preocupei em esconder. O meu hoje feliz termina agora, com a casa revolta, deliciosamente suja e desarrumada, mas quente de amor e de aconchego... Tenho mais um ano do que ontem, é verdade. E depois? Também tenho mais serenidade e mais certezas: a de que não desistirei de tocar as estrelas, por exemplo. E quando não as vir nos céus nublados, procurá-las-ei no chão que piso, trazidas por alguma onda serena do mar da vida. Porque somos nós que acendemos as estrelas, que as pintamos de azul... E disto também tenho a certeza.

Da Sabedoria II


Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga.

Mia Couto, Mar me Quer

Da Sabedoria


Hoje sei como se mede a verdadeira idade: vamos ficando velhos quando não fazemos novos amigos. Estamos morrendo a partir do momento em que não nos apaixonamos.

Mia Couto, Mar me Quer

Envelhecer...


Envelhecer é o único meio de viver muito tempo.

Albert Camus

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Da Amizade


A sombra de que me falaste, senti-a antes de tu chegares, no momento em que atendi o telefone e ouvi a tua voz do outro lado. Tão igual a tua voz, e no entanto... tão diferente! Nem sequer foi um pressentimento, foi uma certeza incómoda, e mais tarde, encostada a ti, ela era palpável e pesada como uma pedra, sombreando de frio o teu olhar. Esta noite não te trago palavras, deixo-te só as minhas mãos entre as tuas e um abraço infinito onde podes por fim chorar as lágrimas que teimavam, que ameaçavam desabar em avalanche de inquietude. Esta noite fico em silêncio a teu lado, se mo permitires. Assim... neste abraço calado. Assim. Sem palavras.

sábado, 11 de julho de 2009

Palavras aladas


Em alguma vida fui ave.

Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.

E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.

Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.

Vivo a golpes de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.

Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.

Em alguma ave fui vida.

Mia Couto, Lembrança Alada

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O cheiro do vento


No fim tu hás-de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mário Quintana

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Dar Voz à Poesia






O concurso apeteceu-me desde o instante em que os meus olhos tropeçaram no panfleto abandonado por mãos distraídas na mesa da sala dos professores... Tinha cores atractivas e o título chamativo soou-me a um convite irrecusável, imperioso até. Durante algum tempo, afastava a ideia que, incómoda como um frio estranho, voltava vezes sem conta. Dei por mim a colocar a hipótese amiúde: Talvez possa... E se...? Porque não...? Adiei até ao fim, queimei o prazo de entrega, mas concorri. Era só um concurso de poesia, o primeiro a que me atrevi... e surpreendentemente, confesso, ganhei o primeiro prémio.
O poema Um punhado de palavras não nasceu propositadamente para este concurso, já existia há alguns meses e eu gostava muito dele porque me espelha a alma e o sentir. Agora, depois de o ter lido em voz alta para uma plateia que me avaliava, gosto ainda mais de todas as palavras que lhe dão corpo. Hoje posso finalmente divulgá-lo, partilhar com todos os que por aqui passam e se demoram na minha voz, este prémio que me deixou surpresa, honrada e orgulhosa. Aqui fica o meu punhado de palavras, o poema vencedor da XIII Edição do Concurso Literário "Dar Voz à Poesia". Agora também é vosso.
Com muito carinho.

Trago um punhado de palavras
guardadas nas mãos em concha.
Encontrei-as nos livros, ditas pelos poetas...
Li-as nas estrelas... Emprestaram-mas os deuses...
Roubei-as à tua boca.
São palavras brilhantes, luminosas,
palavras de riso claro,
sussurradas ao ouvido no instante do abraço,
palavras ardentes, soltas
no beijo dado com a urgência da saudade.
São palavras perfumadas,
cheiram a eucalipto orvalhado pela manhã,
cheiram a velas queimadas em dia de aniversário,
cheiram a terra molhada
e a relva acabada de cortar...
São palavras musicais, como um espanta-espíritos
em dança vadia com o vento ao cair da tarde...
Foram escritas na areia da praia,
sobrevivendo aos vendavais
e aos pés descalços dos caminhantes,
à fúria das gaivotas e ao abraço salgado
das ondas inconstantes...
São fortes e indeléveis.
São eternas as minhas palavras.

E quando às vezes me engano na estrada
ou me perco nos caminhos,
quando sinto os passos cansados ou inseguros,
sento-me na berma e olho-as de frente,
tatuadas na pele gasta das mãos calejadas...

Leio-as muitas e muitas vezes...

Repito-as baixinho...
E passa-me o frio cá dentro.

Ana Paula Mateus, Um punhado de palavras

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O que nos aconteceu?


Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor duma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca - e sempre a tua boca - comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbedos e perguntar o que aconteceu.

Eugénio de Andrade, Primeiramente

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Soltar amarras


O sítio mais seguro onde um barco pode estar é no porto. Mas não foi para isso que ele foi construído.