sábado, 31 de janeiro de 2009

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Palavras roubadas


Somos confusos como as florestas.

Tu, eu (e todos nós)
temos enredos na voz,
armaduras e espessuras
que nos encobrem de nós.

António Gedeão

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Baron


Na vizinhança todos o conheciam. Fugia muitas vezes, aproveitando o momento em que o carro atravessava os portões escancarados, cosia-se com o negro dos pneus e esmagando o corpo contra o musgo das pedras da estrada, tornava-se invisível. Depois, numa correria desenfreada rua abaixo, perseguia os seus sonhos caninos que tomavam a forma de insectos, aves, ruídos e cheiros que só ele sabia. Ao fim de algumas horas voltava. Voltava sempre. Fazia-se anunciar ladrando feliz, quase sorridente e eu abria-lhe o portão a ralhar zangada as minhas preocupações... Discurso inglório e inútil. Ele entrava a medo, exausto, sedento, e ficava o resto do dia a dormitar, a cabeça entre as patas, um olho piscando preguiçoso, a cauda a abanar indolente, saciado nas suas aventuras de cão. Era um animal lindíssimo, de porte majestoso, que impunha um respeito discordante do seu carácter dócil e inofensivo como uma cria de passarinho. Já há uns anos o tinha perdido e foi um amigo meu, com um coração de ouro e uma incondicional paixão por bichos, que mo trouxe de volta ao fim de duas semanas. Estar-lhe-ei eternamente grata e nunca esquecerei o seu gesto, nunca!
Era só um cão, dizem-me alguns, a quem eu deixo escorregar a história para justificar o olhar mais triste. Não, não era só um cão, era o meu cão e sinto-lhe imenso a falta. Cá em casa, o seu companheiro de eleição, o seu humano preferido, era o meu filho. Não lhe dava descanso, correndo mais veloz do que os patins, do que a bicicleta, tentando superar o salto do skate, voando atrás das bolas que se dedicava a roer exemplarmente quando ficavam abandonadas, esquecidas, após as brincadeiras febris. Odiava pássaros, sobretudo os melros que vinham corajosamente roubar-lhe a comida e desatava então num ladrar possesso e ensurdecedor, confessando a sua impotência numa fúria incontida que nada conseguia aplacar. Tinha uma estranha relação com o gato, reconhecendo-lhe humildemente a antiguidade e a soberania. De vez em quando abocanhava-o com meiguice, apertando-o entre as patas e às vezes, deitavam-se ambos, pachorrentos, à porta da casa inundada de sol. Eu gostava de os observar nestas alturas, eram a prova de que não há relações impossíveis, de que mesmo as mais improváveis, às vezes são verdade.
Já passou uma semana e o Baron ainda não voltou. Quando vou na estrada, demoro ansiosamente os olhos nos campos despidos, nas estradas geladas, procuro nas sombras para além da chuva, do nevoeiro, na esperança de descobrir o seu vulto negro, de o reencontrar, cheio de fome e sede, talvez doente ou ferido... mas vivo. Julgo ouvi-lo ladrar no silêncio de pedra que se ergue com a madrugada e saio atrás dos ecos de um latir que existe só na minha memória. Não consigo apaziguar esta tristeza olhando a casa mais fria, mais vazia, mais pesada de preocupação e angústia. O coração humano é assim... frágil perante perdas, perante ausências. Acho que nunca me habituarei a perder pessoas, bichos, memórias... nunca me habituarei a perder afectos, a perder o Amor, seja qual for o rosto com que ele se vista.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Outras palavras


Pensáveis que vivíeis e éreis vento
que dava forma ao pó num rodopio
e o que chamáveis vida era só um rio
que na foz tem da fonte o esquecimento.

O vosso ser fugaz deixou fermento
que só se reproduz no desvario
e a verde primavera em seco estio
um outono semeou pulverulento.

O que tomáveis todos por amor
apenas era, vede! um fogo que arde
e nem cinzas deixou do seu fulgor.

Dos murmúrios das juras que fizestes
só resta o ciciar dum fim de tarde.
Um suspiro? Era o vento nos ciprestes...

JM, Ciprestes

domingo, 25 de janeiro de 2009

Dos amores impossíveis


Um pássaro pode amar um peixe mas onde iriam juntos construir uma casa?

in Um violino no telhado

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A negação da tristeza


A moda do pensamento positivo irrita-me profundamente. Mais do que moda, a tirania do sorriso está por todo o lado, esmaga-nos a cada passo, a todo o tempo. E parece que veio para ficar. Desenvolveu-se uma espécie de asco contra a tristeza, a melancolia, o pessimismo, que é moderno e fica bem defender. A ditadura do bem-estar não admite o incómodo natural de quem não se sente feliz todos os dias. E eu pecadora me confesso: não estou feliz todos os dias. Às vezes dói-me a alma... Às vezes vejo tudo negro... Às vezes sinto que errei todos os minutos do meu dia... Às vezes ando triste e gostaria de poder admitir a tristeza sem que isso fosse visto como uma doença maligna, um tumor nefasto e invasor da felicidade alheia. O pensamento positivo é agora bandeira dos portugueses, neste país pequenino de brandos e hipócritas costumes e vive acasalado com a mentalidade tão cristã de que cada um deve levar resignado a sua cruz ao calvário, penar sozinho as suas dores. Por isso, quando alguém está triste não tem o direito de incomodar os outros... Deve arvorar um belo e ostensivo sorriso para não ferir o pensamento positivo daqueles com quem convive. Afinal, toda a gente sabe, o pensamento positivo cura o cancro, faz descer as taxas de juro, põe a pele mais bonita, elimina a celulite mais incrustrada e atenua as rugas, mata a fome e as dívidas, impede até as catástrofes naturais, controla e domina o tempo. Temos que andar todos alegres e contentinhos, unidos no espírito do rebanho, neste mundo desigual, onde cada vez mais somos diferentes e punidos por isso.
A intolerância à tristeza está relacionada com a visão de um mundo melhor, quase paradisíaco, cheio de esperança, onde é preciso ignorar que se mata, se rouba, se despede, se espezinha, se tortura em nome de deuses, se vira o rosto para não ver o sofrimento dos velhos, das crianças, dos sem-abrigo, se massacram povos na luta por ideais... Não. Neste mundo não estou feliz todos os dias. E gostaria de poder assumi-lo, de chorar as minhas lágrimas sem que isso fosse um atentado impensável ao pensamento positivo. Afinal, qual é o mal de estar triste? Não deveríamos antes assumir a tristeza em vez de fazer das tripas coração, não deveríamos engolir os sorrisos amarelos e exibir as lágrimas transparentes da tristeza? Quando me sinto triste e me olham de soslaio, como se eu fosse um caso raro de loucura depressiva a precisar de medicação ou internamento urgente, eu lembro-me sempre das palavras do Álvaro de Campos no belíssimo poema Lisbon Revisited:


(...)
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

(...)
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Ele sentia-se só e triste. E pelo menos tinha a coragem de ser sincero. Tinha a audácia de ser diferente.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Palavras sábias


O conhecimento pode ser transmitido, mas não a sabedoria.

Hermann Hesse, Siddharta

domingo, 18 de janeiro de 2009

Da Amizade


Encostada à saudade, tento contar os dias da tua ausência em mim... E não me chegam os dedos das mãos... Ofereço-te as minhas palavras neste crescer da noite fria para enganar a distância, na esperança do abraço que hoje não demos. Sei que me lerás. Porque um amigo tece laços que nos envolvem mesmo quando estão ausentes... mesmo se a sua voz é longínqua, ela ecoa segura nos dias longos e vazios. O coração de um amigo ouve palavras improváveis, adivinha sílabas que ficaram por dizer, lê claro nas entrelinhas das frases inacabadas... e compreende. O coração de um amigo sabe muito sobre nós... sobretudo as coisas que nunca dissemos, as confissões nunca feitas. É impossível mentir a um amigo. Ele conhece-nos bem e respeita-nos os silêncios e a voz. Um amigo partilha um café mas não nos invade o peito. Fica apenas ali, à porta, à espera que sejamos capazes de sair de dentro de nós para nos receber com um sorriso que ilumina os instantes. Um amigo nunca nos esquece, sabe que objectos coleccionamos, a nossa cor preferida, as músicas que nos tocam, os livros que nos marcaram e os filmes que gostamos de ver. Um amigo é um ser raro que nos abre sempre as portas de casa e nos convida a entrar mesmo se chegamos sem avisar. Um amigo pergunta-nos como estamos e fica à espera da resposta... Um amigo nunca diz Eu bem te avisei!, ele só nos estreita nos braços e chora connosco... Um amigo é um muro forte e alto que nos protege do vento e da chuva e ao qual nos encostamos a desfrutar da sombra fresca quando estamos cansados da viagem. Um amigo perdoa-nos os erros, as falhas, as imperfeições, e estende-nos a mão de todas as vezes que tropeçamos nas pedras do caminho, sempre que nos enganámos no rumo a seguir... Um amigo recorda-nos sempre que viaja, traz-nos pequenos tesouros dos sítios por onde andou connosco no pensamento... e escolhe com amor os nossos presentes de Natal e de aniversário. Um amigo, um verdadeiro amigo, partilha a vida e o coração connosco, dá-se por inteiro sem exigir nada em troca...
Por tudo isto, queria que soubesses que apesar de termos andado distantes, hoje te evoquei com saudade e ternura, te abracei com carinho... e me senti profundamente feliz por ter a tua amizade.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Sentido único


Não há nenhuma prisão em nenhum mundo na qual o Amor não possa forçar a entrada.

Oscar Wilde

domingo, 11 de janeiro de 2009

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Abismos


Cansada de correr às cegas
pelos labirintos da memória,
ousei abrir finalmente
a última porta.

Empurrei-a de mansinho,
temendo estilhaçar o silêncio
ou quebrar os restos de mágoa
naquele dédalo de brumas...

E num revoluto de mil asas,
na espiral de um voo cego,
esbofetearam-me o rosto
os aromas, as cores, os sons e os nomes
de recordações longínquas
que julgava enterradas, esquecidas...

Estavam de pé, os meus fantasmas...
viviam ainda, empoeirados, bolorentos,
aguardavam a minha chegada
ao som de melodias suaves
que afinal, ainda sei tanger de cor...

Ficámos parados,
os corações disparados,
os corpos num tumulto,
olhando-nos de frente,
olhando-nos bem fundo...

E sorrimos... E apaziguei-me...
Reconciliada com a perda,
virei as costas à inquietude
e regressei a mim
pelos corredores iluminados já,
rasgando janelas de sol
abrindo gaiolas ferrugentas
soltando para sempre
as negras aves da tristeza...

Às vezes, algumas vezes...
precisamos de exorcizar fantasmas
e encarar os profundos abismos
para deixar que a alma
se encha novamente de luz
e conseguirmos regressar a nós...

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Parabéns Princesa!



Sempre achei que trazes o mundo no olhar. E sabes... quando estou fragilizada ou perdida, procuro os teus olhos e aninho-me lá com frequência.

Vive um dia muito feliz!
Um beijo meu

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Palavras simples



Amo como ama o Amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar.
Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa

domingo, 4 de janeiro de 2009

No fio da vida


Trabalha como se não necessitasses de dinheiro
Ama como se nunca te tivessem magoado
Dança como se ninguém te estivesse a ver
e
Saboreia a vida.

Autor desconhecido

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Por outras palavras...


(...) o meu coração vai sempre uns metros à frente da minha razão; quando a razão chega, já o coração - ou lá o que é - partiu de novo. Daí que tenha a impressão de que a minha razão preside a uma ausência. Na vida, só em raros momentos felizes razão e coração batem unanimemente, sem ressentimentos, pois se a razão é complacente, poucas vezes o coração se submete às considerações da razão. (...)

Manuel António Pina, Por outras Palavras, in Jornal de Notícias, 2 de Janeiro de 2009

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009