sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Anjos da Guarda


Não precisamos de vê-los, tocá-los, para lhes sentir a presença, encostada de mansinho às nossas emoções. Nem sempre têm asas mas possuem o dom de voar até nós, quando nos sabem feridos nalguma curva esconsa dos caminhos da vida. E sorriem sempre, um sorriso cheio de sol que nos ilumina a hora mais negra e enche de calor o minuto mais gelado. Chamam-se anjos da guarda. Ou simplesmente amigos. São insubstituíveis, entram-nos no coração e ali ficam, seguindo-nos os passos inseguros, amparando-nos o deslize das lágrimas, abraçando-nos o riso alegre. Aos anjos da guarda tudo é permitido... Mesmo que nos dispam a alma, nos desnudem as emoções, cheguem sem avisar e se instalem na nossa vida corrigindo-nos a rota do marear inseguro...
Às vezes perdemos um anjo da guarda... porque a vida é uma viagem e as paragens são inúmeras e inesperadas. Rasga-nos o coração vê-los partir, sentimo-nos de repente desamparados e a navegar à deriva, mas consola-nos a ideia de que nenhuma partida é completa e definitiva, de que nos reencontraremos noutros sítios, noutras paragens e reconhecer-nos-emos de imediato. Porque os amigos não se conhecem, reconhecem-se. E assim, quando temos que perder um amigo, só devemos sufocar a dor e a saudade, limpar as lágrimas e dizer baixinho, daquele jeito que só os anjos ouvem: " Boa viagem... e até sempre!"
E a vida continua... E eles continuam... em nós... cá dentro... connosco.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Parágrafo


Porque há sempre uma palavra que ainda não foi pronunciada e que dará rosto a um capítulo que um dia, finalmente, nos atrevemos a escrever.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ponto final


Faz hoje um ano. (Um ano é muito tempo?)
Deixei o olhar vaguear de novo por todos os textos que escrevi e pelas imagens que os ilustram, num curioso exercício reflexivo. Muitos dos posts seria capaz de os reescrever rapidamente e sem cábulas. Noutros páro, demoro-me um pouco mais, estranho-me... procuro-me. Sempre tentei ser cuidadosa com as palavras porque conheço o seu poder. Munidas duma força infinita, elas podem criar ou destruir, amar ou odiar. Talvez por isso, entre o momento em que o texto nasce e o minuto em que é publicado, decorre algum tempo... Procuro as palavras, espero-as muitas vezes e quando nascem é exactamente aquele o rosto que quero dar-lhes. Não, não há nada mais poderoso do que as palavras...
Hoje, um ano depois, eu não sou a mesma pessoa que timidamente deu corpo a este espaço. Surpreendo-me a recear as palavras, a temer-lhes o voo, a prever-lhes a queda... Hoje sei que é perigoso soltá-las, dar-lhes vida, permitir-lhes a rebeldia... Quantas vezes, nesta ilha que também foi ponte, estrada, caminho, as palavras se revoltaram e seguiram rumos diferentes dos traçados pelos meus dedos! Quantas vezes não consegui interromper a torrente e ela se tornou rio caudaloso desaguando em mares inesperados... Tenho hoje a certeza nítida que não sei escrever. Mas não é por isso que desisto... não... no dia em que achar que escrevo bem, deixo de o fazer. É só tempo de reconhecer que um dia todas as vozes se calam e ficam apenas os silêncios, também eles cheios de palavras que nascem cá dentro e aqui morrem. E dou comigo a precisar desses silêncios, dou comigo a querer cortar as asas às palavras. Por isso, este blog que eu adoro e onde repouso as inquietudes, deixou de fazer sentido. Esta viagem ao sabor das palavras termina aqui. Iniciar-se-ão talvez outras porque a alma humana, naturalmente inquieta, precisa de partir mas também de chegar, precisa de sonho e de realidade... E eu sou apenas isto, um ser humano vulgarmente imperfeito com uma última noite que reclamo como só minha, uma voz que hoje se faz ouvir talvez pela última vez. Por isso, e por uma questão de coerência, os comentários a este post, se os houver, não serão publicados.
Olho à minha volta para este mar onde viajei e naufraguei em tempos de tempestade e de calmaria, donde parti e aonde cheguei, onde fui tantas palavras, tantas imagens, e começo lentamente a fechar a janela. O momento é de suavidade e quietude... sinto-me serena e a tristeza esvoaça com meiguice no áspero sal de uma lágrima teimosa...
Um ano depois, saio silenciosamente sem olhar para trás e bato a porta da minha alma suavemente nas minhas costas.
Com mão firme, o coração apertado e os olhos cheios de água, coloco agora o ponto final.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Palavras limpas


Não faças da tua vida um rascunho. Poderás não ter tempo de passá-la a limpo.

Mário Quintana

domingo, 19 de outubro de 2008

Vai passar...


Entrei em silêncio com receio de te acordar. A casa acusava já o frio do anoitecer e o céu triste reflectia-se na vidraça da sala. Lá fora, junto aos umbrais, as aves em revoadas barulhentas procuravam refúgio para a geada nocturna. O corredor respirava tranquilo e ouvia-se música, algures num outro andar. Abri a porta do quarto com mil cuidados mas afinal não dormias... Às voltas com os teus pensamentos, esperavas-me e sorriste feliz quando nos abraçamos. Quiseste ver-me bem, pediste-me para acender a luz, comentaste a minha magreza, a palidez, os olhos encovados... estiveste a chorar...? E o inquérito começou: se tenho comido bem, dormido direito, alguma preocupação ou tristeza escondida...? Chamaste-me minha pequenina e quiseste que eu me deitasse junto de ti. Naquele abraço quente que só as mães têm, brincaste com os fios do meu cabelo, elogiaste o meu perfume e ali ficámos... como quando eu era a tua pequenina e caía da bicicleta, esfolava os cotovelos porque tropeçava a saltar à corda ou esmurrava os joelhos a andar de patins... Nessas alturas, por entre as minhas lágrimas e a água oxigenada que com ternura me punhas nas feridas, dizias-me calma e muito baixinho:"Vai passar... Vais ver que vai passar...". E sempre passava.
Hoje, enquanto falavas, eu recuei muitos anos a essa infância onde tudo passava só porque tu dizias as palavras mágicas, com certeza e confiança, repondo tudo no seu lugar, espantando o medo, sarando feridas... Mas hoje as feridas são outras... Hoje, ambas sabemos que nem tudo passa, que há dores e feridas que não têm cura, que há lágrimas que não secam e mágoas que não se espantam. Apesar disso, nesse abraço sentido, quase juro ter ouvido a tua voz, sussurrando entre o bater dos corações um eco que gravei cá dentro: "Vai passar..."

sábado, 18 de outubro de 2008

As ondas das palavras


Gosto de palavras salgadas,
como a palavra maresia
que sabe à espuma das ondas
ao morrer da tarde...
Gosto de palavras torneadas,
como a palavra esperança,
que se pode enrolar
serpenteando entre os dedos
e me faz lembrar
as ondas do teu cabelo.

... sabias?

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Palavras...


Se me escolheres
Me quiseres como te quero
Se pegares em mim
E me guardares
Protege-me
E abriga-me
Não me deixes fugir
Não me largues
E faz-me tua
Faz-me tão tua
E única
E diferente de todos…
Se me escolheres
Me quiseres como te quero
Ama-me sempre
Sem mentira
Sem medo
Sem vontade de fugir
Com vontade de querer
E com desejo
De viver, rir
Crescer…
E faz de nós Um
Tão forte, grande
Único
Como a escolha feita
De nos querermos
Neste para sempre
Que é só nosso
Agora…

Maria Ana Ferro, Se me escolheres

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Palavras exactas


Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve.

Vergílio Ferreira, Escrever

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Equilíbrio


Há coisas na vida que nos parecem difíceis de resolver.
Receamos não encontrar o equilíbrio.
E no entanto, é possível.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um sorriso azul


Deixaste cair o teu sorriso tão azul e pousaste-o na mesa, entre nós. Um pouco amarrotado pela espuma dos dias, ali ficou a brilhar docemente, como uma luz que me guia os passos, me norteia o sentir.

sábado, 11 de outubro de 2008

Sem Palavras...


Com palavras se fazem coisas
com elas se desfazem.
As palavras não decifram
são enigmas
matéria obscura
luminosa.
Com palavras se navega
com palavras se naufraga.

Com palavras.

Manuel Alegre, Com palavras

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Palavras caladas


La forma de querer tú
es dejarme que te quiera.
El sí con que te me rindes
es el silencio. Tus besos
son ofrecerme los labios
para que los bese yo.
Jamás palabras, abrazos,
me dirán que tú existías,
que me quisiste: Jamás.
Me lo dicen hojas blancas,
mapas, augurios, teléfonos;
tú, no.
Y estoy abrazado a ti
sin preguntarte, de miedo
a que no sea verdad
que tú vives y me quieres.
Y estoy abrazado a ti
sin mirar y sin tocarte.
No vaya a ser que descubra
con preguntas, con caricias,
esa soledad inmensa
de quererte sólo yo.

Pedro Salinas, La Forma de Querer Tu

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Um dia assim


Escrevo porque preciso, porque sinto uma necessidade imperiosa de vir aqui rabiscar inquietudes, emoções, lágrimas às vezes... E esta minha dependência quase quotidiana, não é pacífica... Porque há dias em que as palavras não saem como eu as quero dizer, o texto não se faz corpo no mastro do meu navio, atemorizado talvez com os ventos da indecisão, ou do cansaço. Há dias em que eu sei exactamente o que quero dizer, mas não consigo dizê-lo. E é nesses dias que guardo tudo para mim.
Há muitos dias assim...

sábado, 4 de outubro de 2008

Sentido único


Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te.

William Shakespeare

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Um brilho suave

Pousaste-me o sorriso
nas palmas das mãos
e eu fechei-as com suavidade
para não deixar fugir o brilho
que me aquece os dias

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ó Stora...


- Ó Stora, porque é que não posso escrever sem pontuação, como o Saramago?

- (...)