sábado, 31 de maio de 2008

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Um sonho magenta


No meu sonho havia uma casinha enterrada nas dunas de areia fina, com as paredes caiadas de magenta, como um grito de amor brilhando ao sol na calmaria do entardecer.
Havia um alpendre a abraçar a casa, com um chão de madeira macio e quente, cujas tábuas rangiam sob os nossos pés descalços, gemendo um riso alegre que exorcizava todos os fantasmas.
Havia no meu sonho uma rede de algodão branco com longas franjas que tocavam o chão e dançavam ao ritmo dos nossos corpos quando ficávamos abraçados a beber o pôr-do-sol.
Havia um vento morno e meigo que nos despenteava os cabelos numa onda castanha de rebelde suavidade e nos deixava os corpos com o brilho cintilante da areia colada à pele ...
Havia uma janela sempre aberta sobre o azul a perder de vista, por onde entrava o perfume da maresia que invadia os aposentos varridos de luz e de sol e de sal...
No meu sonho havia essa casinha, um lugar pequenino onde nos perdíamos do mundo e nos encontrávamos na simplicidade dos gestos do coração.
No meu sonho havia um lugar assim. Mas o meu sonho era apenas um sonho...
Diz-me... em que parte da vida é que se perdem os sonhos?

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Palavras aladas


Fiz-te pássaro e mato-te no voo.
Não me culpes, amor. Foi bruxaria.

Natália Correia, O Dilúvio e a Pomba

terça-feira, 27 de maio de 2008

Cansaço


Hoje pesam-me as horas deste dia longo, ferem-me a pele os desencontros das palavras que não cheguei a proferir. Como sombras, as mágoas guardadas escapam-se agora e tombam-me as pálpebras, cerram-me os lábios... E calo-me.
Nesta espécie de silêncio abençoado, já não luto mais, dou tréguas à revolta que cede numa quieta rendição. No meu peito, o coração compreendeu por fim, e numa resignada desistência aninha-se, procurando a serenidade da noite redentora que o despirá da tormenta e do cansaço.
Deste infinito cansaço... que a clara luz do sol da manhã, apagará...

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Palavras embrulhadas


Que dúvida Que dívida Que dádiva
Que duvidávida afinal a vida

David Mourão-Ferreira, Eco Da Anterior

domingo, 25 de maio de 2008

Inquietudes...


Há alturas em que é preciso respirar fundo...
E tomar decisões.
Por muito que custe.

sábado, 24 de maio de 2008

Num único olhar


Nem sempre vemos apenas o que nos mostram... Muitas vezes ficamos aquém... ou vamos além do olhar.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Palavras sentidas


Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

Fernando Pessoa

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Nos corredores da nostalgia


Dos objectos cuja memória transporto desde a infância, a recordação que guardo mais preciosa e mais vívida, é a da máquina de escrever do meu pai.
Era uma máquina enorme e lindíssima, de teclado HCESAR, que eu venerava descaradamente. O meu pai chamava-lhe carinhosamente "Olívia", entre outras razões, porque tinha sido caríssima e a sua aquisição, pensada e repensada, representara um rombo profundo no orçamento familiar. A máquina, tão desejada, merecera um nome de pessoa... e assim ficou. Lembro-me sobretudo do som que se desprendia do teclado e da espécie de sininho que avisava quando a margem de escrita se aproximava do fim. Eu adorava-a e ficava a olhá-la com fascinação quando o meu pai se sentava a escrever as suas poesias, geralmente no dia em que não dava consultas. Sem ousar perturbá-lo, sentava-me à porta do consultório, com as pernas à chinês, e ficava a pentear as minhas bonecas ao som melodioso daquela máquina que me enfeitiçava, sob o olhar disfarçado e carinhoso do meu pai. Eu nem sequer sabia escrever e talvez isso fosse o mais fascinante de tudo... A minha curiosidade de criança despertava e alimentava em mim o desejo de saber como arrancar todas aquelas páginas escritas de um objecto tão misterioso.
Depois da morte do meu pai, inevitavelmente a máquina permaneceu connosco. Sempre em lugar de destaque, sempre numa mesa onde todos a víssemos. E depois cresci, cresci o suficiente para aprender a ler e a escrever e chegou um dia em que a minha mãe me comunicou que eu podia, finalmente, aprender a escrever à máquina. Lembro-me da excitação, do nervosismo, do medo de estragar... que foi amansando à medida que ela me ensinava com muita paciência e um sorriso, a usar a velha máquina de escrever. Primeiro ensinou-me a meter o papel (tarefa árdua, acertar a folha para que não ficasse mais subida dum lado do que do outro!), depois a usar o teclado (as maiúsculas, as minúsculas, os acentos, os algarismos, os sinais de pontuação...), a corrigir os erros (com umas fitinhas de papel corrector que se encostavam à letra a eliminar e depois de se teclar por cima, ocultavam o preto da tinta) e finalmente a fazer rodar a fita de tecido azul, para que a escrita mantivesse sempre um negro brilhante e bonito. Foi um dia glorioso para mim e jamais o esquecerei... Durante horas, martelei na velha máquina, primeiro timidamente, à procura dos caracteres, e depois com mais segurança e agilidade à medida que os meus dedos pequeninos iam aprendendo o caminho das letras. Desde esse dia, fiquei com a sensação de que a máquina me pertencia mais a mim do que a qualquer outro elemento da família e confesso, tinha-lhe um amor um pouco egoísta...
Mas os anos passaram, a velhinha máquina foi ganhando ferrugem, emperrando e soltando as teclas, até que um dia foi substituída por outra mais pequena, mais elegante, mais bonita e muito mais moderna... que eu desprezei desde o primeiro olhar e a quem nunca reconheci o encanto e o companheirismo da Olívia do meu pai.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Palavras silenciadas


tenho aquela que me olha e que olho
e misturamo-nos como brisas e
silêncios e digo tenho aquela que
me vê e ela olha-me e tudo o
que somos é uma partilha uma
mistura e digo diz e aquela que
tenho beija-me num olhar e num
silêncio que não posso dizer

José Luís Peixoto, A criança em ruínas

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Vox populi, vox Dei


Não interessa recebermos o que queremos mas querermos o que recebemos.

( Provérbio húngaro )

domingo, 18 de maio de 2008

Champanhe



Eu lembrei-me, sabes...? Como poderia esquecer-me?
E apesar da distância e da ausência, apertei-te num estreito abraço sentido e disse-te baixinho: "Parabéns!".
Esta noite brindo-te com a espuma das palavras.


No fio da memória


Naquele dia, o sol dardejava já as últimas pinceladas de rubro, quando saí. Cá fora, uma temperatura amena, promessa do crescer dos dias, mimava-me a pele, amarrotada do sentir. Lembro-me bem que mal entrei no carro, desliguei o rádio e conduzia devagar, enquanto tentava gerir o tremor das mãos, o sorriso nos lábios e a lágrima fugitiva, teimosa testemunha da minha emoção. No silêncio possível, queria gravar os momentos, tatuá-los no peito para que o coração não os perdesse. As palavras, esqueci-as já... Só ficaram os gestos que mudaram tudo, que abriram quentes horizontes ao fundo da estrada estendida à minha frente e que o carro engolia vagarosamente no caminho de regresso.
E foi nessa altura que percebi com clara nitidez que nem sempre os sonhos são impossíveis...

sábado, 17 de maio de 2008

sexta-feira, 16 de maio de 2008

POST SECRET


Esta noite não estou cá.
Fico só em silêncio, tentando libertar esta ave inquieta a esvoaçar perdida dentro do meu peito.
E não consigo achar-lhe uma saída.
Hoje perdi a chave de mim.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Palavras doídas


há mortos que demoram a morrer
é inútil sepultá-los eles voltam
demoram-se por vezes numa sombra
num braço de cadeira ou no rebordo partido
de uma chávena. ou então escondem-se
em pequenas caixas sobre as mesas.
há objectos que ficam cheios deles
são como o resto transmudado dos ausentes
sua marca na casa e no efémero.
por isso custa tanto retirar o prato e o talher
arrumar os fatos desfazer
a cama. há mortos que nunca mais se vão embora.
há mortos que não param de doer.

Manuel Alegre, Requiem

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Déjà vu


Subitamente, a memória escorre com uma liquidez assustadora, pingando pedaços de vivências que quase juro já terem acontecido... E no entanto, sei que é impossível, que nunca ocorreu. Às vezes é uma conversa, um ruído, uma música... outras um encontro, um cheiro singular, uma sensação única... e a memória inicia a sua manobra de diversão, a fazer-me acreditar que já vivi aquele momento numa outra altura. É sempre assustador, ninguém gosta de ser confrontado com estilhaços perturbadores de origem ignota, a fazer presente a ideia de que somos feitos tão somente de matéria... mas que nada sabemos de nós, afinal de contas... Que a mente humana, o mais insondável de todos os mistérios, se diverte brincando a um jogo cujas regras não controlamos... E nessas alturas, de mãos dadas com o medo, com o desconforto, paira a sensação inegável de que há viagens que a alma realiza à revelia da mente, a obrigar-me a reconhecer com humildade o abismo misterioso que é o ser humano.
Por que razão me apetece falar disto hoje, dar voz a algo que não compreendo? Não sei bem... talvez porque hoje, à mesa do café, inesperadamente a sensação de déjà vu me assaltou enquanto lia o meu livro, perdida em mim e o som de uma música antiga que eu adoro encheu todo o ambiente, tomando conta de todos os ruídos, paralisando até o tempo, que estagnou cristalizado nos ponteiros do relógio.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Palavras intensas


O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

Fernando Pessoa

domingo, 11 de maio de 2008

Sentido único


Purifica o teu coração antes de permitires que o amor entre nele, pois até o mel mais doce azeda num recipiente sujo.

Pitágoras

sábado, 10 de maio de 2008

A Amizade não se agradece

Ontem foi uma noite muito importante para mim. Profissionalmente falando, era uma daquelas noites que demoram meses a preparar, são pensadas e trabalhadas até ao mais ínfimo pormenor e nos absorvem a atenção e a energia enquanto nos roubam também, horas de tranquilidade. Assim era a noite passada. Aliada a tudo isto, a agravante de a mim me custar imenso falar em público, de eu detestar ser o centro das atenções enquanto rosto de uma actividade, enquanto anfitriã de uma noite cheia de formalidades. Nesta última semana andei amargurada, com um estranho frio a coser-me a barriga e o pensamento recorrente de que algo iria correr muito mal... Invadia-me o medo de esquecer-me das palavras, ter um ataque de tosse, cair nos degraus, trocar o nome aos convidados, errar o alinhamento, perder as cábulas... tudo me ocorreu. Andei a falar sozinha a semana toda, procurando a segurança na solidez do trabalho. E elas sabiam. Tentavam sossegar-me, brincavam comigo, troçavam da minha insegurança... e prometeram estar lá. Apesar de eu saber que a actividade não lhes interessava tanto assim, que era fim de semana e mereciam o descanso de uma sexta à noite sem compromissos ou correrias... Apesar disso, elas foram e sentaram-se na primeira fila. Pertinho de mim, para que eu lhes sentisse a solidariedade em primeira mão, a confiança nos olhares que me enviavam. E soube-me tão bem, vê-las ali! Mesmo sabendo que uma delas tinha abdicado do jantar semanal com o pai, que cumpre religiosamente há já uns anos, e a outra não tinha vestido o pijama ao filho mais novo e não lhe tinha lido uma história antes de o adormecer num abraço quentinho. Mesmo assim, a presença de ambas reconfortou-me e deu-me segurança. Eu sabia que tinha ali duas amigas que acreditavam em mim e não queria desiludi-las, queria que elas aproveitassem a noite e que tudo corresse pelo melhor... E acho que correu... Talvez a assistência não se tenha apercebido de que a minha voz tremia e ninguém reparou que houve uma ligeira alteração no alinhamento... Por esquecimento meu, claro está, que às vezes os nervos põem-me obtusa... Mas não caí, não tossi, não troquei o nome aos meus ilustres convidados, não perdi as cábulas nem tive nenhuma branca... E a noite terminou num ápice, como termina tudo o que demora meses a preparar... apenas em algumas horas exigentes e tensas que se esfumam rapidamente.
Eu sei que a Amizade não se agradece, mas esta noite é para as Anas, com o meu beijo sincero e toda a ternura em que eu conseguir embrulhar as palavras.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Vox populi, vox Dei

As dificuldades são como as montanhas. Elas só se aplainam quando avançamos sobre elas.

( Provérbio japonês )

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Enlace

Tinham-me jurado que é muito raro, mas acontece. Talvez uma vez na vida, em poucas vidas... E eu vi. Hoje eu vi os deuses se amando com paixão à beira-mar. Uniam-se na espuma de uma onda, no recurvar de uma vaga e o brilho espelhado daquele amor intenso fazia cegar, na solidão suave do entardecer, coroado só com a música do vento e a voz das gaivotas... E como amores assim não devem ser testemunhados, abandonei devagarinho o areal sem olhar para trás e desejando que na areia molhada não ficassem vestígios das minhas pegadas...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Palavras maduras


Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade, Conselho

terça-feira, 6 de maio de 2008

Palavras maravilhosas


Leio o amor no livro
da tua pele;
demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve
obstáculo de consoantes,
em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos.

Desfolho as páginas
que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio
de um roçar de palavras
que se juntam,
como corpos
no abraço de cada frase.

E chego ao fim
para voltar ao princípio,
decorando
o que já sei,
e é sempre novo
quando o leio na tua pele.

Nuno Júdice, Braille

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Palavras profundas


Os homens vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se nunca tivessem vivido.

Dalai Lama

domingo, 4 de maio de 2008

Aos meus filhos


Atrevo-me a dizer que não há amor igual ao de uma mãe quando limpa uma lágrima a um filho, quando lhe trata as feridas das batalhas quotidianas, quando lhe beija os cabelos durante o sono, com cuidado e ternura para não o despertar, quando partilha mil sorrisos festejando pequenas vitórias, quando o aperta nos braços, o aninha no peito para lhe sentir o bater do coração... só porque sim, só para sentir o milagre da vida que gerou.
Não há amor tão incondicional como o que permite a uma mãe dar a vida pelo seu filho, se for preciso. Esquecer-se de si, se for preciso.
É um amor sem reservas, de elos sagrados e indestrutíveis que nunca quebrarão, um amor sem sombras, sem sentimentos de culpa, sem palavras ou promessas vãs... Um amor de gestos, de presença, de músicas e de silêncios, de colo e de ninho. Um amor eterno, onde cabe um universo de secretas cumplicidades, de afectos indizíveis, um lugar onde mora a vida.
E eu amo-vos assim. Exactamente assim.
No Dia da Mãe, deixo que as minhas palavras soltas ganhem corpo e voz e vos abracem e beijem com todo o meu amor. O amor de mãe.


Mamã

Hoje andei todo o dia aninhada no teu peito, abraçada a ti, sem tu saberes...

sábado, 3 de maio de 2008

Nada melhor do que a vida


Era Verão mas chovia, lembro-me ainda hoje tão bem... Saímos para lanchar, só nós duas, felizes porque tinha terminado a época de exames e estávamos quase, quase de férias. Tu conduzias devagar e íamos apreciando os banhistas ávidos de sol, exibindo indumentárias frescas e coloridas, enfrentando despreocupados o cortante vento norte.Cheirava a maresia, um odor imperioso a sargaço trazido pelas ondas iradas de um mar plúmbeo carregado de chuva, uma chuva leve e miudinha que não chegava a atravessar as roupas. Uma deliciosa chuva de Verão. E ríamos como loucas, como duas garotas, a propósito de tudo e de nada... Tu dizias nessas alturas que era a hora da insanidade, e a onda de riso voltava e crescia e tornava-se imparável no teu jeito tão próprio de atirar a cabeça para trás e soltar a alegria num gargalhar ruidoso. Vestias uma camisola amarela que adoravas e que contrastava com os teus cabelos negros que usavas quase sempre soltos. Eras tão bonita, tão feliz! Nessa tarde, lanchámos num café sobre o areal, comemos um gelado à chuva e ficámos sem gasolina no centro da cidade... sempre a rir como se a vida nos pertencesse e nada de mal pudesse acontecer-nos...
Não sei porque razão a minha memória te trouxe, assim, tão inusitadamente nesta noite de sábado e me permite recordar momentos tão felizes como os que vivemos juntas... Talvez seja porque amanhã seria um dia muito especial para ti, um dia que adoravas e que preparavas com carinho e uma antecedência escandalosa. Querias que corresse tudo bem, lembro-me ainda. Por isso sei que amanhã os teus te evocarão com muita saudade e o mesmo amor...
Quanto a mim, eu vou ouvir-te perguntares-me com os olhos a brilhar, entre risos e gargalhadas: "E há alguma coisa melhor do que a vida?".

sexta-feira, 2 de maio de 2008