segunda-feira, 31 de março de 2008

Vox populi, vox Dei


O fundo do coração está mais longe que o fim do mundo.

( Provérbio dinamarquês )

domingo, 30 de março de 2008

O Arco dos Desejos


Hoje o dia amanheceu solarengo e talvez por isso, foi com surpresa que a meio da tarde dei comigo a espreitar as nuvens negras ameaçadoras e a morder os lábios contrariada: ia chover. Nem mais nem menos: momentos depois, uma chuva forte e um vento gelado abatiam-se sobre a cidade, inundando as ruas, obrigando-me a conduzir devagar. Choveu torrencialmente durante algum tempo mas depois, subitamente, tão rápido como chegara, a chuva acalmou e tímidos farrapos de sol rasgaram o céu quase azul. O horizonte estava lindíssimo e encostei o carro para ver melhor um enorme e colorido arco-íris enfeitando os céus já claros, já luminosos. Lembrei-me então da voz da minha avó que me dizia sempre, entre sorrisos, para pedir um desejo... E de olhos fechados, formulei um pedido... Acreditando por momentos que aquele arco colorido é de facto uma ponte que liga dois mundos, um caminho que conduz o Homem da Terra ao Céu, e não apenas um simples fenómeno de refracção e reflexão da luz... Estas coisas não se explicam, julgo que nós humanos temos por vezes necessidade de acreditar que há qualquer coisa nos céus que nos ajuda a cumprir os sonhos, a realizar os desejos... Qualquer coisa em que possamos confiar de olhos fechados e a quem desejamos entregar a resolução de problemas que nos pesam demais. Nem que seja um arco-íris.
Quando meti a chave na ignição para pôr novamente o carro a trabalhar, dei comigo a sorrir sozinha enquanto olhava as pinceladas de cor que se esbatiam lentamente. Com o coração aninhado, apreciei os momentos finais de um fenómeno tão belo, tão efémero, tão frágil... Como os desejos. Como os sonhos.

sábado, 29 de março de 2008

sexta-feira, 28 de março de 2008

Sentido único


Adoramos a perfeição porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivessemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 27 de março de 2008

Suspensão


Às vezes o teu sorriso
pousa no quente da tarde
demorando-se apenas
o tempo de uma onda...
E é um momento suave
roçando-me a pele...

quarta-feira, 26 de março de 2008

Circuito fechado


Hoje tenho a cabeça cheia de perguntas. Atropelam-se cá dentro, buscando uma saída, exigindo respostas que eu não encontro. É como chegar subitamente a uma encruzilhada e não saber que direcção escolher. Apodera-se de mim o medo de falhar, de escolher mal, de me enganar na leitura da sinalética e enveredar por atalhos escusos...
Sinto-me desorientada, vagueando neste silêncio que não compreendo.
Sabes ler o futuro numa bola de cristal?

terça-feira, 25 de março de 2008

Palavras raras


Das raras vezes que te fiz chorar, por te pedir mais amor, o que era de facto uma violência, havia sempre depois ansiosamente o gosto das tuas lágrimas, apertava o fervor das tuas mãos, até me perdoares, até esqueceres a minha desmesura, até te abraçar perdidamente e entrar no calor dos teus trinta anos de ondas e gemidos felizes. Até à paz. Até ao momento de voltares para ti.

Urbano Tavares Rodrigues, Margem da Ausência

segunda-feira, 24 de março de 2008

Vendavais


Seguro-me.
Hoje não quero dizer nada.
Só pensar e sentir...
E esconder do mundo os meus vendavais.

domingo, 23 de março de 2008

Sentido único


Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fossemos de ferro.

Sigmund Freud

sábado, 22 de março de 2008

Rendez-vous


Preciso muito de conversar, ainda bem que podes ouvir-me. Mesmo sem dizeres nada, serena-me a tua presença reconfortante, o teu silêncio solidário. Vamos só ficar assim de mãos dadas, enquanto eu procuro as palavras. Têm que ser as palavras certas, entendes? Porque eu hoje estou triste, profundamente triste. E nem quero que acendas a luz, prefiro esta penumbra que me esconde o olhar onde tu poderias ler uma sombra, descobrir vestígios do sal das lágrimas ou a presença de uma dor encolhida no canto das pestanas. Não quero que saibas que estou triste, só quero que fiques comigo até a dor passar... devagarinho... Até que os ecos se calem e o único ruído audível seja o do bater do teu coração, no mesmo compasso do meu respirar.
Hoje fica assim comigo, ficas? E toma conta de mim... velando-me o sono.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Palavras silenciosas


Pego num pedaço de silêncio. Parto-o ao meio,
e vejo saírem de dentro dele as palavras que
ficaram por dizer. Umas, meto-as num frasco
com o álcool da memória, para que se
transformem num licor de remorso; outras,
guardo-as na cabeça para as dizer, um dia,
a quem me perguntou o que significavam.
Mas o silêncio de onde as palavras saíram
volta a espalhar-se sobre elas. Bebo o licor
do remorso; e tiro da cabeça as outras palavras
que lá ficaram, até o ruído desaparecer, e só
o silêncio ficar, inteiro, sem nada por dentro.

Nuno Júdice, Exercício

quinta-feira, 20 de março de 2008

quarta-feira, 19 de março de 2008

Palavras preciosas


O amor fino não há-de ter "porquê" nem "para quê". Se amo porque me amam, é obrigação, faço o que devo; se amo para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há-de ser o amor para ser fino?
Amo porque amo e para amar.

Padre António Vieira

Pai


Pai.
Durante mais de metade da minha vida não usei a palavra. Simplesmente ignorava-a, fugindo dos espinhos que me arranhavam a alma quando a pensava em silêncio. Mas sentia-lhe a falta e era quase dor, a ausência desse dizer...
E um dia, passei a usá-la contigo, ela entrou em mim escancarando quartos fechados e escuros, enchendo-os de sol, derramando a ternura. Hoje é uma palavra feita de colo, de ninho, de doçura, uma palavra com braços, que prende, envolve e acolhe. Uma palavra que beija, uma palavra-cais.
Tem os contornos do teu rosto, a palavra Pai. É como sempre a imaginei, voz presente, amiga, que escuta e ampara, que consola e vigia, que aconselha e orienta, que ri e chora, que ama e brinca...
Quando te espreito sem tu saberes, quando te observo secretamente com os teus filhos, espalha-se uma alegria suave, uma tranquilidade feliz... E quando os olho a eles e descubro o teu jeito de sorrir, as semelhanças no caminhar, os gostos tão parecidos, sinto que é justa essa continuidade em dois seres que têm por ti um amor incondicional e infinito. Porque tu mereces, nessa entrega que fazes à vida dos teus filhos.
Dentro de mim, a certeza absoluta e inegável de que és o melhor Pai que os meus filhos poderiam ter. O único Pai possível.
E é, também por isso, que me enches de orgulho, que me fazes amar-te assim.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Espero


Procuro a palavra. Espero-a, na página branca mas ela tarda e eu tenho frio. Conheço-a de cor, sei exactamente qual quero, mas ela demora-se enovelada talvez em sentimentos secretos, perdida no fim do coração. Gosto deste jogo, da sedução provocadora da palavra que se atrasa, se faz desejar como negra andorinha riscando o céu na Primavera. É urgente que ela chegue, para poder soltar o peito na liberdade da escrita.
Sabes, eu acho que tu nunca entendeste... Eu não escrevo porque quero ou porque gosto.
Escrevo porque preciso.

sábado, 15 de março de 2008

Palavras salgadas


Na última vez que se tinha aqui encontrado comigo, a Y subitamente exclamara, no momento em que os nossos corpos mais a compasso avançavam a caminho do êxtase:
"Sente? Não sente? Estamos com a mesma circulação."
E, pouco depois, ambos de costas, lado a lado, como duas estátuas jacentes. No seu ténue fio de voz voltou a referir aquele instante:
"Não era circulação que eu queria dizer. Não era só a mesma circulação... Era também o mesmo sangue."

David Mourão-Ferreira, Um Amor Feliz

sexta-feira, 14 de março de 2008

Vox populi, vox Dei


Quem não compreende um olhar, também não compreenderá uma longa explicação.

( Provérbio árabe )

quinta-feira, 13 de março de 2008

Cá dentro


Anda uma ideia a bailar-me na cabeça.
Acompanha-me já há algum tempo, espreita quente, sorridente e cheia de luz, prometendo-me ousadias que não sei se consigo abraçar... se tenho poder para sonhar...
E dou comigo a jogar às escondidas com esta ideia tecida de utopias, feita de sol, eu a fazer de conta que não a vejo, ela a fingir que eu não a encontro... até ao dia em que nos sentaremos frente a frente, olhos nos olhos e conversaremos até esventrar prós e contras. Um dia chegará em que terei que decidir se dou voz e corpo a esta ideia que me persegue as horas tranquilas, os momentos de insónia, ou se a enterro definitivamente no baú dos fantasmas.
Acarinho-a com ternura, aninho-a no peito, a bonita ideia bailarina que me habita a mente e no íntimo sei que esta é uma batalha que eu gostava de não ganhar, que sem tristeza, entregaria a alma e os troféus numa exausta rendição...
Mas... (talvez por medo?) vou evitando... vou adiando o encontro e a decisão, o duelo final com esta ideia que anda a bailar-me na cabeça...
Até quando?

quarta-feira, 12 de março de 2008

Sentido único


Quando não encontramos tranquilidade dentro de nós mesmos, de nada serve procurá-la noutro lugar.

segunda-feira, 10 de março de 2008

O fio da vida


Há um fio que nos une as vidas, nos prende as almas, nos embrulha os sonhos.
É um fio só nosso, cujos nós só tu e eu sabemos desatar e cada elo tem um eco próprio, uma história gravada de lágrimas ou de sorrisos, de fel e mel, como as de todos os seres humanos. E sei que se eu puxar o fio prateado, tu sentirás a minha presença aí, do teu lado, respirando o mesmo ar, atravessando os mesmos mares e percorrendo os mesmos desertos. Porque só faz sentido assim, esta teia de felicidade onde nos aconchegamos a cada novo dia, onde repousamos os passos cansados do quotidiano, com a certeza enorme de que este fio é forte e não quebra. Eu estarei sempre numa das pontas.
Acredita. Confia.

domingo, 9 de março de 2008

Fim de semana


Estou cansada.
Não é um cansaço bom, daqueles que sentimos quando terminamos tarefas que queríamos muito realizar e depois de concluídas nos deixam uma sensação de alívio e conforto. Não, não é esse. É um cansaço do corpo e da alma, um desalento, um desencanto... uma sensação estranha de ter passado por estes dois dias do calendário e não me lembrar de os ter vivido... Esteve sol? Fez frio? O que comi? Que notícias encheram os telejornais? Onde pararam os amigos? Estarão bem? Sinto saudades... Hoje sinto tanto...
Cansaço.
Da caneta vermelha. Das avaliações. Das correcções. De contar, somar, subtrair, julgar, acrescentar, sublinhar, completar, rasurar, registar, cotar, perdoar, ignorar, relevar, deduzir, destacar...avaliar.
Um infinito cansaço.
Daqueles que nos carregam os ombros, pressionam os músculos, oferecem um peso nos olhos e uma facada bem no meio das costas...
Fim de semana...é...
Foi.

sábado, 8 de março de 2008

Palavras felizes


A felicidade não está no que acontece mas no que acontece em nós desse acontecer. A felicidade tem que ver com o que nos falta ou não na vida que nos calhou. Devo dizer-te que me não falta nada, quase nada.

Vergílio Ferreira, Em Nome da Terra

quinta-feira, 6 de março de 2008

Dias há...


Dias há em que é preciso prender no peito esta vontade indomável de subir a escadaria da vida galgando os degraus a quatro e quatro. Porque dias há em que o percurso nos sorri luminoso e o apelo da escalada é tão forte que desata os sentidos e as emoções numa correria louca, à desfilada nos labirintos do desejo.
Dias há em que é preciso não ter pressa.
Dias há em que é urgente saber esperar.
E secretamente, alegramo-nos por saber que a estrada de luz continua lá, numa impassível espera, aguardando passos mais seguros que não roubem a calma certeza da subida, até ao patamar de serenidade onde possamos permanecer.
Felizes.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Palavras feridas


Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a Terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e solta um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro pára para ouvi-lo e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento...Pelo menos é o que diz a lenda.

Colleen McCullough, Pássaros feridos

terça-feira, 4 de março de 2008

Um lugar teu


Dá-me um lugar teu onde eu habite
donde não tenha nunca que partir
desfeita em água e sal e espuma

Olha, pode ser o coração...

segunda-feira, 3 de março de 2008

domingo, 2 de março de 2008

Navegar...


Navegar é preciso.
Eu sei. A verdade da afirmação é irrefutável. Mas ninguém me tinha dito que para navegar é preciso mais do que a vontade. Ou do que um barco.
Tem-me ensinado a vida que para navegar é preciso uma âncora, que nos permitirá o abrigo num porto seguro, junto a um cais batido de sol. E um leme, que não nos deixe perder o norte, que evite o rumo sem sentido na noite escura. E talvez seja útil saber ler o caminho de luz das estrelas, porque nem sempre os faróis se fazem visíveis em alto mar. Precisamos ainda da força, da tenacidade do corpo, que lutará resistente contra ventos adversos, marés contrárias e tempestades devastadoras...
No mastro do nosso barco, vai um sonho imortal. Na proa, uma vontade de ferro.
Partir, ou chegar?
Pouco importa, o que importa é navegar.

sábado, 1 de março de 2008

Março


Entra Março e anda nas bocas do povo:
  • Dia de Março, dia de três ventos.
  • Março marçagão, manhãs de Inverno e tardes de Verão.
  • Em Março chove cada dia um pedaço.
  • Em Março onde quer eu passo.
  • Em Março tanto durmo como faço.
  • Em tardes de Março recolhe o teu gado.
  • Março, aguaço.
  • Março marceja, pela manhã chove e à tarde colmeja.
  • Março de ano bissexto, muita fome e muito mortaço.
  • Março liga a noite com o dia, o Manel com a Maria, o pão com o pato e a erva com sargaço.
  • Março marçagão, de manhã cara de anjo, à noite cara de ladrão.
  • Março marçagão, de manhã focinho de cão, ao meio-dia de rainha e à noite de fuinha.
  • Março o cria, Março o fia.
  • Março virado de rabo é pior do que o Diabo.
  • Nasce a erva em Março, ainda que lhe dêem com um maço.
  • O grão em Março, nem na terra nem no saco.
  • Páscoa em Março, ou fome ou mortaço.
  • Poda em Março, vindima no regaço.
  • Quando em Março arrulha a perdiz, ano feliz.
  • Quem em Março não merenda, aos mortos se encomenda.
  • Sol de Março queima a dama no paço.
  • Aí vem meu irmão Março, que fará o que eu não faço.
  • Em Março deita-te um pedaço.

A Administradora deste espaço deseja um feliz mês de Março a todos os visitantes e leitores.