sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Sentido único


Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.

Madre Teresa de Calcutá

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Muros


Há situações inadiáveis. Urgentes. Que não podemos fazer de conta que não vemos. Hoje percebi isso ao olhar para os meus livros e rendi-me: vou ter mesmo que os arrumar. Pois é, o drama começa exactamente aqui. Eu não sei arrumar os meus livros. Nunca soube nem nunca consegui fazê-lo, porque defendo a teoria de que os livros não se arrumam... os amigos não se arrumam. Nunca sei se hei-de agrupá-los por autores, por temas, por géneros e épocas literárias, se hei-de separá-los em lidos e não lidos, etc. Quando tento pôr alguma ordem no caos, é sempre a mesma fita: sento-me no chão, limpo-os e depois viajo... Vou abrindo um ou outro para recordar alguma passagem que gravei na memória, releio as páginas que têm os cantinhos dobrados, abro-os nas folhas que exibem um amarelete, repenso os sublinhados a vermelho e a azul, tento descobrir por que motivo ficou naquela página o marcador, procuro as dedicatórias nos volumes oferecidos para voltar a saborear o amor e a amizade...e não saio disto. Dou comigo a sorrir quando entre páginas encontro migalhas, areia, bilhetes de cinema, postais, listas de compras, papéis de rebuçado, manchas de manteiga ou marcas de lágrimas... são inúmeras as testemunhas das minhas leituras. E eu respeito-as, fecho cuidadosamente a capa do livro, rezando para que nada dentro dele se perca na fúria da limpeza, para que os vestígios permaneçam adormecidos até à próxima arrumação. E durante uns tempos estranho as estantes, ando perdida à procura do que quero, desnorteada com os meus muros de papel confidente aos quais encosto a alma tantas vezes para sonhar. Claro, esta sensação dura apenas alguns dias, rapidamente recomeço a abrir, a procurar, a usar, a consultar os meus livros e tudo volta ao início. Mas eu sinto-me bem melhor ao olhar para as prateleiras e encarar os olhares confidentes nos seus velhos ninhos, abrigados pela certeza de que cá em casa, apesar de tropeçar em livros, me afogar em livros, há sempre espaço para mais um amigo. De papel, mas um amigo, mesmo assim.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Palavras pintadas


Se apenas houvesse uma única verdade, não poderiam pintar-se cem telas sobre o mesmo tema.
Pablo Picasso

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Vox populi, vox Dei


Ama-me quando eu menos merecer, pois é quando eu mais preciso.

( Provérbio oriental )

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Traição


Há palavras que se recusam ao silêncio.
Mesmo aprisionadas, enclausuradas, abafadas, esvoaçam pela luz dos olhos ou são traídas pelas pontas dos dedos, pelo deslizar da sombra dos corpos.
Há palavras que juramos nunca proferir, mas num irresistível anseio de liberdade, elas denunciam-se num tom de voz. Ou no rasto de um olhar. Ou num sorriso.
E traem-nos, as palavras fugitivas, aquelas que não queremos pronunciar, que calamos, mas que acabam por nos desnudar a alma se nos apanham desatentos e conseguem estilhaçar as masmorras onde as ocultamos.
Porque são verdade.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Renascer


Tenho andado distraída. Preocupada com inúmeras coisas, atormentada com nós que não posso desatar, angustiada com ventos que não consigo travar, não tinha ainda reparado. Mas hoje reparei. Hoje olhei e vi.
No meu jardim, as azáleas estão ao rubro, explodem exuberantes em gritos de cor e beleza. A magnólia ergue-se majestosa e imponente, carregada de flores, exibindo orgulhosamente todo o seu esplendor. As estrelícias levantam a crista colorida, desafiando os céus e até a oliveira plantada há meses atrás, denuncia rebentos tenros e verdinhos, frágeis e tímidos, como que receando estar a adiantar-se ao calendário. As hortênsias vestiram os galhos tristes e secos e parecem tufos redondos de verde, lembrando cogumelos gigantescos que serão em breve o abrigo dos caracóis. Os jarros sorriem no alvor da sua candura e as orquídeas já rebentaram os bolbos debaixo da terra e espreitam com olhos cor de musgo a vida cá fora. E hoje vi as abelhas pela primeira vez. Tontas com a cor e os aromas desta natureza que renasce, volteavam e zumbiam embriagadas no morno da tarde. E já cá estão os melros, as pegas, os pardais, as rolas e os estorninhos. Vi-os e ouvi-os hoje, em danças encantadoras, perdidos nos rituais de enamoramento e em breve farão os seus ninhos nos beirais da casa, nas chaminés ou no grosso tronco da velha palmeira. Vieram para ficar e já não partem.
Como é que eu ainda não tinha visto? A Primavera anda a bailar no meu jardim e eu andava distraída. E esta é a altura do ano em que me sinto mais feliz. Os dias crescem mornos e preguiçosos, os corpos vão pedindo agasalhos menos severos, tudo rebenta em luz, cores e aromas. É surpreendente e fascinante como tudo renasce, tudo se renova, a vida enterrada e adormecida debaixo do chão, desperta e retoma o seu lugar. Porque é quase Primavera, sinto uma felicidade secreta, uma esperança renovada, acompanhando o crescer da luz dos dias, o doce temperar do calor das noites, que me prometem o fim do Inverno em mim.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Palavras ambiciosas


Se não puderes ser um pinheiro no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda,

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Eclipse


Reza a lenda que no início eram as trevas.
E Deus criou o Sol para iluminar a Terra. Mas as noites eram longas e escuras. E Deus criou a Lua.
Depois chamou-os a ambos e disse-lhes:
- Tu, Sol, serás o astro-rei. Farás nascer a vida, serás o responsável pelo nascimento, crescimento e bem-estar de todos os seres vivos. E tu, Lua, iluminarás a noite, serás o refúgio e a companhia de todos os poetas e enamorados, e comandarás a voz do mar.
Acontece que quando se viram pela primeira vez, o Sol e a Lua apaixonaram-se completa e perdidamente. No entanto, logo compreenderam que o amor dos dois seria sofrido e infeliz porque com a decisão e as ordens de Deus, jamais poderiam encontrar-se. Era o primeiro amor impossível da história do Mundo. Por isso viviam irremediavelmente tristes, sabendo que não poderiam nunca amar-se em plenitude.
Mas Deus é Pai e é bom. Assistindo à dor dos dois e comovido com a grandeza e nobreza daquele sentimento, decidiu que nenhum amor no Mundo seria impossível, nem mesmo o do Sol e da Lua.
E Deus criou o eclipse.
Durante o eclipse, por breves momentos, o Sol e a Lua encontram-se, cruzando finalmente os seus caminhos e podem amar-se por alguns minutos. Nessas alturas, o brilho de ambos é tão intenso que não é aconselhável olhar directamente para o céu, nem invadir a privacidade do raro encontro dos dois amantes. Casos houve, em que seres humanos se atreveram a perturbar esta intimidade e foram punidos com a cegueira, provocada pelo brilho e luz resultantes do abraço dos dois corpos celestes. Por isso, devemos baixar humildemente os olhos e respeitar um momento de amor tão belo que Deus, compadecido, permitiu que acontecesse.
Assim reza a lenda.


O eclipse desta madrugada foi o último da década. Muitos anos passarão até que o Sol e a Lua possam voltar a ver-se e a amar-se fugazmente e com certeza, foram muitos os olhares curiosos que se voltaram para o céu, desrespeitando a intimidade do momento, querendo presenciar um amor tão único.
Eu adoro a lenda e adoro histórias de amor. E confesso, espreitei o céu esta madrugada, com uma pontinha de inveja, para tentar ver o amor do Sol e da Lua, um amor infinito que sobrevive à distância e à ausência e está condenado à solidão eterna.
Confesso, espreitei o céu esta noite... E tu?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Palavras avaliadas


Repara bem. A vida olhada como uma moeda. Nada de mais redondo, conclusivo, perfeito. Simétrico.
Olha pois. Amacia-a entre os dedos, sente-lhe o peso, avalia as possibilidades.
Escolhe uma face ou deixa que uma face te escolha.

Olha pois. E de um lado tens.

A vida como uma moeda. Escolhes uma face ou uma face te há-de escolher. Avalia as possibilidades.

Do outro lado tens.

Rodrigo Guedes de Carvalho, A casa quieta

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O Império das Lágrimas


Hoje apetece-me falar de lágrimas...é um assunto como outro qualquer. Aliás, nunca percebi bem porque é que as pessoas não gostam de ver alguém chorar. Ficam constrangidas, incomodadas, desviam o olhar, mudam de assunto, fingem não perceber ou então, aflitas, dizem "Estás a chorar? Não chores!". Mas não chores, porquê? Afinal, qual é o problema das lágrimas?
Eu sou de lágrima fácil... sempre fui. Uma chorona sem emenda. Isso não significa que eu seja uma pessoa triste, infeliz ou deprimida, nada disso. Só que há defeitos e feitios e eu sou assim. Que hei-de fazer? Talvez as pessoas devessem entender (as que nunca choram, bien sûr!), que há lágrimas e lágrimas... Podemos chorar em variadíssimas situações: a ver um filme que nos arranha a alma, a ouvir uma música que nos transporta, a rever fotografias que nos espelham a vida, a recordar os mortos que perdemos, a ler um livro que nos acaricia cá dentro, o coração, a escrever um qualquer texto, a relembrar momentos que a memória teima em não deixar apagar e que não voltarão jamais, a evocar alguém de quem andamos perdidos, quando recebemos um presente, quando ouvimos uma voz que já não esperávamos, quando nos oferecem inesperadamente um elogio, um carinho, quando nos saboreiam o ser... E essas são lágrimas boas, borboletas meigas num voar de alegria, de doce conforto. Essas não nos importamos de partilhar, de mãos dadas com os que amamos, deixando que o silêncio seja a única voz possível. Mas há as outras, as só nossas, as que ocultamos, escondemos do mundo e de nós próprios, engolimos como fel até que o cair se torne imperioso. As que nos desnudam. Nos ferem. Nos matam por dentro. Mas até essas têm que ser libertas... e por vezes somos apanhados a chorar quando não desejaríamos que acontecesse. Nesse momento, a pior coisa que pode ser dita é "Não chores". É que o império das lágrimas não se compadece com a altura certa e a hora exacta... e se alguém é subitamente surpreeendido a chorar, talvez a melhor coisa a fazer seja respeitar quem chora... e esperar que passe. Porque sempre acaba por passar.
É como disse: não tenho nada, absolutamente nada contra as lágrimas. As minhas, todas elas, todos os rastos salgados de dor e amor, ofereço-os e partilho-os com seres únicos e especiais apontados a dedo pela porta da minha alma.
Mas esta noite são só meus. Porque sim.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Quantas...?


Hoje a Mariana veio ver-me. Já me tinha procurado na semana passada mas eu tinha aulas a tarde toda e ela não podia esperar. Hoje voltou.
Foi uma aluna difícil de conquistar. Durante um ano escorregou-me dos dedos, escapava-se a qualquer tentativa de aproximação, era impenetrável como uma rocha. Quando ia ao quadro sentia-se como peixe fora de água, desconfortável na posição de protagonista, na visibilidade absoluta que o estrado lhe concedia. Eu tentava reduzir-lhe ao máximo o tormento e quando a solicitava oralmente os seus olhos não seguravam os meus. Achava que ela não gostava de mim.
Um dia, adormeceu numa aula. Fiquei perplexa, atónita com a ousadia. Ferida na minha condição de professora. O raspanete do costume, o sermão sobre as indispensáveis horas de sono, sobre os efeitos prejudiciais da televisão em excesso, blá, blá, blá... De olhos cravados nos livros, tentando apagar-se no meio dos risos disfarçados da turma e no zunzum que se instalara, ela nada disse. Nem uma palavra. No fim da aula, timidamente, ficou para trás e explicou-me: Tinha passado a noite no hospital. Realmente estava pálida, com um ar abatido... Mas não, não era ela que estava doente. Tinha ido tomar conta do irmão bebé porque a mãe precisava de cuidados urgentes. Um acidente? Uma queda? Nada disso, apenas uma cadeira que lhe tinha partido um braço e uma garrafa vazia que lhe cortara o rosto, atiradas certeiramente pelo pai da menina. O conteúdo da garrafa, repousava no estômago do atacante e fazia os seus estragos.
Tremi de raiva. De nojo. De revolta. Depois, respirei fundo e meti mãos à obra: encaminhei a menina para os serviços de Psicologia, contactei a Assistente Social e sugeri a intervenção da Comissão de Protecção de Menores. Fiz relatórios, relatórios e relatórios. E até ao fim do ano, conversava sempre que podia com a Mariana. As nossas conversas, hesitantes ao início, tornaram-se rituais de cumplicidade que ela cumpria religiosamente.
Este ano ainda não a tinha visto. Tem agora dezanove anos, trabalha na caixa de um hipermercado e o olhar é mais doce, mais sereno. Então e a vida? As coisas estão melhores, o pai ainda bebe mas já não lhes bate. Ainda bem... nem tudo é perfeito, mas...
Nas mãos trazia um livro que ia trocar à Biblioteca. O rosto rasgou-se num sorriso quando mo mostrou - Eça de Queirós. Era já o terceiro que lia e tenciona lê-los todos! Fiquei feliz quando me disse entusiasmada: "A stora bem dizia, o Eça é o máximo!". Despedimo-nos com um beijinho e a promessa de nos vermos em breve, quando a ida à Biblioteca se impusesse.
Fiquei a olhá-la enquanto se afastava, a menina que há uns anos atrás me adormecera na aula porque passara a noite no hospital com a mãe e o irmão bebé nos braços, porque o pai encharcado em bebida tinha descarregado a ira na família.
Quantas Marianas existem por esse mundo fora, em pleno século XXI? Quantas adormecem nas aulas? E quantas sobrevivem?

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Palavras dobradas


Back inside
This chamber of so many doors
I have nowhere to hide
I would give you all of my dreams
If you would help me
Find a door
That doesn't lead me back again
Take me away

Genesis, The lamb lies down on Broadway

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Palavras tombadas


Caiu do céu uma estrela,
Ai, que eu bem a vi tombar!
Era a noite pura e bela,
Murmurava ao longe o mar...

Era tudo êxtase e calma,
Perfume, encanto, fulgor...
Só no fundo da minha alma
Que desconforto e que dor!

Dorme e sonha, minha bela,
Embalada ao som do mar...
Caiu do céu uma estrela,
Triste do que a viu tombar!

Era uma estrela caída,
Uma entre tantas, não mais!
Era uma ilusão perdida,
Era um ai entre mil ais!

E hás-de viver torturado,
Louco, incerto coração,
Só por um astro apagado,
Por uma morta ilusão?

Dorme e sonha, minha bela...
Como chora ao longe o mar!
Caiu do céu uma estrela,
Ai de mim que a vi tombar!

Antero de Quental, Serenata

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

H2O

Dois terços do planeta.
Setenta por cento do corpo humano.
Existe em três estados e em dois sabores.
Água: conheces tesouro mais rico, bem mais precioso?
Preserva-o. Protege-o. Defende-o. Ama-o.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

No cais da tranquilidade


Tenho aprendido que não vale a pena desejar que o tempo acelere as suas asas. Nada chega mais rápido só porque o desejamos intensamente, desesperadamente. A vida tem-me mostrado que de nada adianta perseguir furiosamente o curso de um rio, porque ele flui no seu próprio ritmo, desliza ao sabor da sua própria cadência, e não se compadece com a nossa ansiedade, com o nosso sofrimento. De nada serve corrermos atrás das coisas que têm um pulsar natural e incontrolável.
Por isso, em tréguas com o tempo, espero serenamente o escorrer dos momentos, sabendo que nada acontecerá se não for ainda o minuto de acontecer.
Por isso me sinto em paz. No cais da tranquilidade.
E espero.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Palavras sábias


Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.

Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

De Profundis

11 de Fevereiro de um ano qualquer.
Foi há muito, há tanto tempo...!
Que desististe.
Mas hoje ainda me vesti de escuridão e silêncio.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Poema presente


Insinua-se dançando
na vertigem do pensamento
o poema que te quero dar.
Nasce ligeiro, no pó da saudade,
ganha força no corpo do verbo,
explode no mastro das palavras.
As palavras que a minha boca cala
mas que me escorrem dos dedos,
misturar-se-ão na tua língua molhada,
bailarão felizes na água dos teus olhos,
rebentarão no silêncio do teu peito.
E eu só quero que lhes dês abrigo,
que as faças tuas na voz do teu ser,
que as abraces meigamente,
porque são só tuas.
Quero que o leias, o meu poema
ditado pelo amor e pela ternura,
que me deslizou do pensamento
e que é só teu.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Máscaras


Respiro aliviada enquanto rasgo a folha do calendário que faz desaparecer o rasto do Carnaval, que elimina os seus vestígios deste ano tão pequenino ainda.
É sempre assim, todos os anos o sentimento se repete. Nesta altura, gosto de fugir daqui, rumar a paragens calmas e silenciosas, escorregar por entre a folia e a loucura de uma festa que não compreendo, com a qual não me identifico. De regresso, encaro incrédula a minha cidade suja de confetis e serpentinas, testemunha inerte de dias de máscaras.
Na verdade, nunca gostei de máscaras, disfarces ou fantasias, como há quem lhes chame. Sempre me inquietou ver gente ultrapassar limites sob o véu de um rosto que não é o seu, camuflada numa roupagem que a deixa confortavelmente irreconhecível. Não consigo entender que espécie de prazer ou alegria se pode sentir usando um outro eu, que não é o nosso. Ou talvez entenda...
Respiro tranquila este fim de festa. Ainda bem que a quadra acabou, levando com ela o samba ensurdecedor que não nos pertence, os apitos, as bombas ruidosas e os estalinhos, as pinturas faciais, os trapos absurdos que há quem se atreva a usar, as perucas e chapéus, os papelinhos coloridos, os corsos e os reis momos, as atracções pagas e os espectadores friorentos...
Ainda bem.
Para o ano, o calendário já sabe, volto a desaparecer durante o Carnaval.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Vox populi, vox Dei


Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.

(Provérbio chinês)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Insónia


A casa respira o silêncio, escorre a quietude morna das horas tardias. Sinto o pulsar tranquilo da paz, da serenidade. A sós comigo, só esta espécie de magia e deixo fluir as emoções, dou voz ao coração, na madrugada meiga.
É muito tarde. O relógio olha-me trocista, desprezando o encantamento do momento, desdenhando o prazer de saber o sono fugidio.
Decidi não lhe ligar. Cristalizei os minutos na ampulheta quebrada das memórias. Este momento é meu. Nada me roubará o apaziguamento que me inunda e estranhamente, não me sinto só.